Elementos da Sociologia Jurídica - De Ana Lúcia Sabadell

17/06/2013 23:11

 

 Abordagem Sociológica do Sistema Jurídico

 

Função da Sociologia Jurídica

    Cabe a Sociologia Jurídica analisar o Direito como fato social, sendo uma das realidades observáveis na sociedade. Nesse sentido, a doutrina busca através da observação, os efeitos das normas jurídicas no comportamento do coletivo.

 

  • Examina as causas sociais e os efeitos das normas jurídicas.

    Concernente ao desenvolvimento do estudo da disciplina, a sociologia jurídica aborda duas perspectivas: A Sociologia do Direito, e a Sociologia no Direito. Ambas possuem visões distintas sobre a finalidade e os objetivos da Sociologia.

 

 

A Sociologia do Direito

 

    De abordagem positiva, termo sociologia do Direito tem seu estudo voltado a uma perspectiva externa ao sistema jurídico. Os adeptos retratam a Sociologia jurídica como doutrina que estuda e critica o Direito, porém não poderá ela fazer parte integrante da ciência normativa.

    Em outras palavras, a sociologia tem como objeto de estudo o Direito, contudo  o mesmo não sofreria  influência da sociologia jurídica, uma vez que sua tarefa consiste a de ser mero observador neutro do sistema jurídico.

 

  • A influência de outras ciências poderia interferir na aplicação do Direito. Tal influência promoveria insegurança no sistema jurídico, a medida em que se considera uma confusão entre a criação e aplicação do Direito e as opiniões politicas do aplicação da norma.

 

 

Sociologia no Direito

    Seguindo a corrente evolucionista, adota adota-se como sociologia do Direito uma perspectiva interna com relação ao sistema jurídico.

    Contesta o método jurídico tradicional, afirmando que a sociologia jurídica deve interferir na elaboração, no estudo dogmático e na aplicação do Direito. Deve-se considerar, pois, o ponto de vista sociológico, bem como suas interpretações, no momento de decisão judicial .

 

    A intervenção compreende a existência de uma pluralidade jurídica e social. Se o Direito é uma forma de politica, que tem como base a boa convivência social, e ainda se o mesmo se manifesta em diversas perspectivas da realidade, por que não deveria a sociologia – que estuda a ordem das relações sociais – tentar persuadir o juiz a aplicar um direito mais justo, em sintonia com a realidade e as necessidades sociais?.

 

 

 A Função da Sociologia e a Eficácia no Direito

 

Tridimensionalidade do Direito e Especificidade da Abordagem Sociológica

 

    No tocante a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale, retrata-se que o fato corresponde a análise sociológica do conjunto social, compreendendo o pensamento e o comportamento do coletivo.

    Nesse contexto, atribui-se a função da sociologia jurídica analisar a eficácia (ou ineficácia) do Direito, tomando como objeto de conhecimento a realidade social do direito. Examina a aplicação prática, e assim, verifica os efeitos da dimensão da norma declarada.

 

  •     Tomando como objeto de conhecimento a vida jurídica, este examina a facticidade do Direito, isto é, a ‘’realidade do Direito’’... Busca examinar, por exemplo, o impacto social das previsões com relação a determinada norma, podendo dedicar-se à análise do grau de conhecimento e aceitação da norma pela população.

 

 

Efeitos Sociais, Eficácia e Adequação da Norma

 

Efeitos da norma: São quaisquer repercussões sociais refletidas pela aplicação

Eficácia da norma: Considera-se o cumprimento ( espontâneo ou coercivo)  ou descumprimento da norma na sociedade, bem como a punição cumprida quando há violação.

 

    A adequação da norma revela-se num contexto interno e interno de sua elaboração. Sendo elas:

Adequação interna da norma: Uma vez criada, a norma passa a ser analisada por meio do ponto de vista do objetivo estabelecido pelo legislador ao aplicar a lei – a finalidade social da norma- .

 

  •     Uma norma jurídica é considerada internamente adequada quando as suas consequências na prática permitem alcançar os fins objetivados pelo legislador.

 

Adequação externa da norma: No que concerne a adequação externa da norma, o objetivo do legislador, bem como os efeitos atribuídos a aplicação da norma, são avaliados segundo o critério da ‘justiça’’. São, pois, todos os valores protegidos pela norma criada.

 

 

Análise Empírica da Eficácia da Norma

 

    Para averiguar sobre a eficácia, são feitas determinadas indagações. Dentre elas: A razão que leva a criação e aplicação da norma;  qual a posição do legislador diante das consequências exercidas pelos efeitos provocados a partir da aplicação; teria a norma, efeitos, eficácia e adequação interna?.

 

 

Fatores que levam a eficácia da norma:

 

Divulgação -  Atuação de órgãos quanto a divulgação da norma, por via de métodos educacionais e propaganda política.

Perfeição técnica - Clareza na redação jurídica

Estudos preparatórios - Elaboração de pesquisas para a criação da norma

Expectativa de consequências negativas - Atuação e fiscalização estatal

Adequação da norma a política – A norma deve estar em conformidade com a situação politica e econômica do país, fatores os quais influem sobre a eficácia jurídica.

Contemporaneidade da norma – Em geral, normas não se tornam eficazes quando exprimem ideias antigas

 

 Conflito, integração e mudança sociais

 

       O estudo das relações sociais envolve a análise de integração dos grupos sociais as normas de organização social. Tais normas são estabelecidas de forma heterônoma, e uma vez exercida impositivamente sobre os diversos grupos social, conflitos  emergem, alterando a organização da sociedade.

    Por esse motivo, a sociologia relaciona-se ao Direito, a medida em que analisa o cumprimento e o descumprimento das regras sociais e seus efeitos na estrutura da sociedade. Nesse contexto, a sociologia estuda as relações sociais numa macro perspectiva, estabelecida em duas teorias distintas.

 

Teoria Funcionalista

 

    A teoria Funcionalista busca examinar a sociedade como uma maquina, distribuída em funções. Tal fator pressupõe que cada individuo seja integrado no sistema de valores da sociedade, compartilhando dos mesmos objetivos e  aceitando as regras vigentes para a harmonia do meio em que se inserem.

 

    Toda ação destoada das regras é considerada como uma disfunção. A teoria funcionalista infere que  Numa situação de crise, caberá ao Estado controlar a disfunção de modo repressivo, ou então o sistema seria destruído.

 

    E é sob esse viés que encontra-se a critica da teoria. Essa analisa a sociedade de maneira estática, como se composse um sistema harmônico e homogêneo. O comportamento contrário as normas de convivência representariam um desequilíbrio, resultante de uma patologia social.

 

Teoria do Conflito  Social

 

    A Teoria do Conflito Social opõem-se a teoria funcionalista. Influenciada pela ideologia marxista,  entende-se que a sociedade é composta por grupos com interesses distintos, retratados num contexto de desigualdades e luta pelo poder – Hierarquia social. 

 

    Assim, o nexo principal da sociedade não é o interesse comum ou a pacificidade, mas o estado de conflito, a coação e o condicionamento ideológico-  exercidos pelos grupos de poder sobre os demais, no interesse de manter sua dominação - .

 

Anomia e Regras Sociais

 

Na etimologia da palavra, anomia significa ausência de lei. A anomia na sociedade pode ser  apresentada sob diversos aspectos, dentre eles:

 

- Transgressão da norma, demonstrando o individuo pouca vinculação às regras da estrutura social. - Ex. Delinquente

 

- Falta de normas que vinculem a pessoa num contexto social. – Ex. Contracultura, movimento que se opõe conscientemente ao modo de vida dominante, em meio a uma crise de valores-.

 

- Conflito de normas , tornando difícil a adequação do comportamento do individuo à norma.-Ex. A obrigação do serviço militar, em contraposição a liberdade de seguir a consciência religiosa do individuo.

 

    Tais exemplos exprimem a ideia geral de ausência de normas. Porém, vale ressaltar que  a anomia também pode ser entendida em outra perspectiva – a de maior interesse para a sociologia  - , a qual consiste a anomia um movimento de mudança social,  expressa através de uma crise de valores, como também numa crise de legitimidade do sistema politico-jurídico.

 

* Introdução a Teoria de Durkheim

 

    Émile Durkheim é considerado como o precursor da sociologia jurídica. O autor entende ser o Direito um fenômeno social, e portanto, deve ser analisado sob o viés sociológico. Em sua teoria, esse exprime dois ideias principais: os fatos sociais e a solidariedade.

 

Fatos sociais: O fato social é toda e qualquer norma imposta aos indivíduos pela sociedade. A norma pode ser tanto jurídica-heterônoma, como também normas de cunho moral e ideológico, implícitas na relações coletivas.

    Dos fatos sociais, Durkheim infere que a origem de toda norma provém da própria sociedade, e que tais normas devem ser estudada de forma objetiva – como fatos concretos -, uma vez impondo aos indivíduos obrigações e modos de comportamentos. 

 

Solidariedade social: Por solidariedade entende-se uma estrutura de relações e de vínculos recíprocos entre os indivíduos na sociedade. Esses vínculos são controlados pelo instrumento normativo, de modo a controlar as relações sociais e toda conduta que viola as regras e ameaça a ‘’consciência coletiva’’.

 

    Durkheim distingue dois tipos de solidariedade social ( duas formas de vínculo entre os membros da sociedade) : A solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica.

 

    A primeira integra a estrutura das sociedades antigas, onde os valores sociais decorrem da tradição e da religião. Tal solidariedade fundamenta-se na uniformidade do comportamento. Doravante, quem não respeita as regras é considerado um agressor da ordem social, sendo punido severamente.

-> O Direito Penal corresponde a estrutura da solidariedade mecânica, atribuída de sanções repressivas.

 

    Já a solidariedade orgânica – moderna -  caracteriza-se por ser uma sociedade mais complexa, em que  o fundamento se dá pela divisão do trabalho e especialização entre nas relações sociais. Nela, o individuo não se vincula diretamente com os valores tradicionais ou obrigações religiosas, mas sim pela obrigação do contrato estabelecido entre indivíduos e grupos.

-> Considera-se  solidariedade orgânica o Direito Contratual, Civil ou Constitucional, valendo-se de sanções restitutivas – reparação de danos.

 

 

 Anomia de Durkheim

 

    Durkheim entende a anomia como um cenário de desordem social que leva a crise e desorientação do grupo social.

    O autor estuda a anomia sob a vertente do suicídio, consagrando a hipótese de que o suicídio do individuo – até então considerado uma patologia - estava relacionado aos fatores sociais em que se inseria. Durkheim buscou analisar o fenômeno do suicídio a uma serie de fatores , como a religião, o estado civil, a profissão ou educação, identificando as razoes que poderiam levar o individuo a cometer tal ato.

 

    A causa encontrada foi o grau de coesão social, constatando-se a falta ou o excesso de integração social , bem como uma crise social estabelecida. Classifica ainda o suicídio em categorias distintas, como o caso do fatalista, individuo que encontra-se muito pressionada pelas regras de comportamento levando-o ao desespero ; o egoísta,  o qual desvincula-se do meio social por não se enquadrar em seu modelo comum ; e sobretudo o anômico, que vivencia uma situação de falta de limites e regras  sociais.

 

    Sobre o último conceito, infere-se que há na anomia um conflito entre os desejos coletivos e as possibilidades de satisfação. A consequência é o desespero que pode levar o individuo ao suicídio por falta de regulamentação social.

 

  • Somente a sociedade pode impor regras, colocando limites aos desejos do individuo, propiciando um equilíbrio entre as necessidades pessoais e os meio disponíveis para obter satisfação. No caso de uma mudança brusca das condições econômicas, os indivíduos perdem as referencias anteriores e a sociedade não consegue imediatamente impor novas regras.

 

    Através dessa análise, Durkheim apresenta sua visão sobre anomia como um estado de desregramento, no qual um grupo social per as referencias normativas que orientavam sua vida , enfraquecendo a solidariedade e desequilibrando o meio social.

 

Anomia de Merton

 

    Merton foi influenciado pela vertente funcionalista, e por conseguinte, analisa a sociedade a partir da ideia do equilíbrio social. O desvio a esse equilíbrio é considerado uma patologia, muito embora possa reconhecer a contribuição do sistema a produção do comportamento anômico.

 

    Para compreender a anomia de Merton, mister é compreender sua visão de sociedade. Segundo o autor, todo contexto sociocultural desenvolve-se por meio de metas culturais. Tais metas exprimem os valores na sociedade . –Ex. Os EUA, no período pós-guerra, estabeleceu como meta cultural o sucesso e a riqueza,  de modo que o elemento econômico tornara-se essencial para o cumprimento da meta.

    Como toda meta busca ser atingida, Merton retrata os meios institucionalizados utilizados que tal objetivo - sendo esses legítimos ou ilegítimos - .

    No tocante a legitimidade dos meios, Merton infere que muito embora a meta cultura seja compartilhada por todos, grande parte da população não consegue atingi-la. Desse modo, resulta nas sociedade um desajuste entre metas impostas e o não cumprimento delas, produzindo o que o autor denomina por anomia:

 

  • Manifestação de um comportamento no qual as regras do jogo social são abandonadas  ou contornadas. A pessoa não respeita mais as regras do comportamento que indicam os meios legítimos de atingir a meta ( socialmente aceitos) . Surge, então, o comportamento desviante.

 

Dentre os tipos de comportamento, Merton elenca 5 situações:

 

Conformidade: O individuo busca atingir as metas culturais empregando os meios institucionalizados. Desse modo, esse adere às normas sociais, não demonstrando nenhum problema de adaptação – Comportamento modal.

 

Inovação: Nesse caso, o individuo almeja o cumprimento da meta cultural, porém dispõe-se de meios não institucionalizados. Uma vez revelando-se a impossibilidade fazer uso dos meios legítimos, o individuo passa a violar as regras para satisfazer a meta desejada.

 

  • Essa modalidade pode incluir tanto um efeito  negativo de comportamento, como é o caso da criminalidade, como também movimentos cujas consequências revelam uma revolução social – Ex. Grupos de rock.

 

Ritualismo: O ritualismo consiste uma espécie de conformismo do individuo com sua situação de impossibilidade de atingir as metas socialmente dominantes. A pessoa acredita que nunca poderá atingir as metas, porém admite as regras que lhe são impostas, vivendo em conformidade com elas.

 

Evasão: Caracteriza-se pelo total abandono das metas e seus meios. Exprime-se, nesse sentido, uma falta de identificação com as regras e os valores sociais que leva o individuo  a uma exclusão de seu meio. – Ex. Mendigos, Hippies.

 

Rebelião:  A rebelião caracteriza-se pelo inconformismo e pela revolta. O individuo se vê contra as normas e os meios, e assim, propõe a mudança dos mesmos, com metas baseadas em novos princípios, assim como os meios institucionalizados para atingi-las ( violação das regras que promove o sentimento  de transformação social).

     A primeira espécie de comportamento refere-se ao modelo ideal de sociedade, enquanto que as demais apresentam o contexto de uma sociedade anômica em diversos aspectos ( disfunções dentro do sistema social) , os quais corroboram para um meio social em estado de conflito.

 

  • Constata-se uma situação de anomia generalizada, quando a sociedade acentua a importância de determinadas metas, sem oferecer à maioria dos seus membros a possibilidade de atingi-las utilizando os meios legítimos.