Introdução ao Direito - De Miguel Reale

17/06/2013 22:54

 

Introdução ao Direito - De Miguel Reale

 

Noção Elementar do Direito

 

    De modo geral, pode-se dizer que o direito é a lei e a ordem, consistindo um conjunto de regras impositivas que limitam a ação dos indivíduos. É essencial a convivência humana, pois nenhum sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem.

 

Experiência jurídica: O direito se vê através de todas as relações intersubjetivas, isto é, a relação que envolve sempre dois ou mais sujeitos.

 

Ciência e o direito : Durante milênios o homem viveu ou cumpriu o direito, de modo indireto, sem se propor o problema de seu significado lógico o moral. É somente num período posterior da civilização, que as regras jurídicas adquirem valores próprios, distinguindo-se ( ainda que influenciadas) das normas costumeiras ou religiosas, sendo objeto de estudo científico.

 

         Por outro lado, tanto a experiência jurídica – que é o fato social – quanto a ciência do direito estão correlacionadas, a medida em que o fato é transformado em direito, ou seja, numa norma.

 

MULTIPLICIDADE E UNIDADE DO DIREITO: O direito existe sob diferentes aspectos e formas. Contudo, existem nessas formas alguns elementos comuns que identificam-se como experiência jurídica – Pois nem todo ato é previsto na norma, como por exemplo, passear com o cachorro, ou pintar um quadro - .

 

Fato jurídico: É considerado um fato jurídico, quando o direito se vê presente na ação do homem que se relacione com o outro.

  • Existem tantas espécies de regras jurídicas quantos são possíveis comportamentos e atitudes humanas.

 

MÉTODO DO DIREITO: Para toda prática do direito, há de existir um método. Pois, método não há ciência. O direito possui método para promover segurança aqueles que o seguem

Método = caminho percorrido para a aquisição de um resultado exato e rigorosamente verificado.

 

 

 

Noção de Ciência do Direito

 

    Para aprofundar a relação entre o fato social e a ciência do direito, entende-se que a ciência do direito, ou jurisprudência,  tem por objeto o fenômeno jurídico. A ciência do direito é sempre uma ciência voltada para o Direito positivo, pois seu estudo para com a forma abstrata implicaria a não existência de uma referência direta a um campo de experiência social.

 

  • É, portanto, uma forma de conhecimento positivo da realidade social segundo normas objetivadas, ou seja, tornadas objetivas no decurso do tempo .

 

JUÍZOS DE REALIDADE E DE VALOR:

 

Juízo: Ato mental pelo qual atribuímos, com caráter de necessidade, certa qualidade a um elemento.

A qualidade é o predicado do sujeito – Ex. : A Terra é um planeta.

O planeta é o predicado do sujeito Terra.

 

  • A ligação do sujeito e predicado pode ser indicativa ou imperativa. No caso, a norma rege a segunda.

Dessa forma, distinguem-se os juízos de realidade e de valor:

 

Juízo de realidade: O sujeito É predicado ( ligação indicativa)

Juízo de valor : O sujeito DEVE SER predicado ( ligação imperativa)

 

 

Normas éticas: Envolvem tanto o juízo de valor sobre o comportamento humano, como também na escolha de uma diretriz considerada obrigatória, num coletivo. Envolvem, portanto,  as opções de uma posição valorativa e imperativa.

 

Imperatividade: Sendo a norma um instrumento baseado no valor e na imperatividade,  essa enuncia algo que DEVE SER, reconhecida como um valor que rege um comportamento declarado obrigatório.

 

A partir dessas concepções, o juiz baseia-se no fato, ou seja, naquilo que ‘’é’’ , e passa a determinar aquilo que ‘’deve ser’’,  com a previsão de consequências caso haja uma violação da norma.

 

ESTRUTURA DAS NORMAS ÉTICAS: Como já relacionado, toda norma ética expressa um juízo de valor, ao qual  se liga a um sanção .

 

Sanção: A sanção é fundamental para a existência da norma, um vez servindo como instrumento que garante  a conduta declarada permitida, determinada ou proibida.

  • Tal fator confirma a existência da norma como o ‘‘dever ser’’.

 

    Porém, vale notar que apesar de sua imperatividade, a norma tem o pressuposto da liberdade de cada individuo em obedecer ou não as suas determinações. É essa liberdade que distingue o mundo do ser e o mundo do dever ser.

 

Estrutura da norma : Além do dever ser, a norma, em geral, é estruturada em função dos comportamentos previsíveis do homem -  como o de raciocinar -  , e explicita o que deve ser feito e como deve ser feito.

         A norma representa , assim, uma medida de conduta, pois cada regra nos diz até que ponto podemos ir, dentro de que limites podemos situar nossa pessoa e nossa atividade.

 

Direito e Moral

 

    Aqui esclarece-se a diferença entre o Direito e a Moral. No entanto, deve-se assimilar que ambos os conceitos distinguem-se , mas não separam-se por completo. ‘’A matéria consiste em distinguir as coisas, sem separá-las’’.

 

A TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO: A teoria consistem em dizer que o Direito representa o mínimo de Moral declarado obrigatório para as relações sociais.

 

Moral: Normas de conduta – ou conjunto de costumes e opiniões – que são cumpridas de maneira espontânea.  ‘’Ninguém pode ser bom pela violência’’

 

         Ela é relaciona-se com o Direito , pois somente com a força das obrigações, há aqueles que não a realizam espontaneamente. Assim, quando a Moral ‘’comum’’ não é seguida, o Direito se apresenta como uma parte dessa Moral  , armado de garantias especificas para o cumprimento de determinados elementos considerados indispensáveis a paz social.          

 

  • ‘’ Tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico ’’

 

        Em contrapartida, percebe-se no âmbito do Direito, alguns atos juridicamente lícitos, mas que não o são do ponto de vista da moral, ou ainda são considerado irrelevantes do mesmo ponto de vista. 

          O primeiro ( atos lícitos ) pode ser exemplificado num sociedade comercial. Num caso onde dois sócios trabalham, sendo um mais trabalhador do que o outro, e ainda assim ganham porcentagens iguais de lucro, do ponto de vista jurídico, o ato é considerado legal, mas no campo da Moral, tal ação é errônea, despreziva.

         O segundo caso ( irrelevante) tem como exemplo o prazo de  anulação dos contratos eivados de erro. O fator que determina a entrega em 4 anos, não é necessariamente baseado num preceito de ordem moral, mas de um caráter puramente técnico.

 

 

DO CUMPRIMENTO DAS REGRAS SOCIAIS: 

 

    Então, de concluindo o  raciocínio do Direito como parte integrante da Moral -  porém,  sendo eles conceitos distintos – Levanta-se a questão:  Até que ponto uma regra moral coexiste com a regra jurídica?

 

  • A regra moral de determinada norma coexiste com a regra jurídica, até o momento em que se torna indispensável o recurso à força, por meio do judiciário.

 

DIREITO E COAÇÃO: Segundo esses preceitos, vale dizer que a Moral é incoercível, uma vez que é cumprida de forma espontânea. Enquanto que o Direito é coercível.

 

Coercibilidade:  Ato de coação,  empregada na expressão técnica jurídica como coerção, que é a força aplicada pelo Direito. ‘’O direito é a ação coercitiva da conduta humana’’.

 

Potencialidade da norma: A coação do Direito não é efetiva, mas potencial. Isto se dá pelo fato de que para sua execução ( para o direito ser aplicado coercitivamente), ele há de ser provocado por uma ação.

 

DIREITO E HETERONOMIA:

 

Heteronomia: Diz-se que o direito é heterônomo, pois as normas, aplicadas pelo Estado,  valem independentemente da opinião ou do querer de nós, os  ‘’obrigados’’ (está acima das pretensões do sujeitos de uma relação ).

‘’O direito é , assim, a ordenação heterônoma e coercível da conduta humana’’

 

BILATERALIDADE ATRIBUTIVA: Para que o Direito possa ser heterônomo ou coercível, é preciso antes que este seja bilateral.

 

Bilateralidade: Quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo uma certo ordem objetiva que as autorize a fazer algo – No caso, a norma conduz essa relação, garantindo sua realização, por meio de seu caráter  de exigência - .

 

  • ‘’Bilateralidade atributiva é , então, uma proporção intersubjetiva (relação entre duas pessoas ou mais ), em função da qual os sujeitos ficam autorizados a pretender, exigir, ou fazer, garantidamente, algo’’.

 

CONFRONTO COM AS NORMAS DE TRATO SOCIAL: Há na sociedade, certas normas que são seguidas por força do costume, em virtude de uma ‘’convenção social ’’. São elas as normas de trato social.

 

Características da norma convencional :

  • São aderidas de forma espontânea
  • Incoercíveis (  bem como a própria moral)
  • São também bilaterais , mas não são atributivas,  pois ninguém pode exigir que a cumpra ( a norma convencional).

 

  • Somente quando o costume se converte numa norma jurídica consuetudiaria, é que se pode descrever atributividade .

 

 

Estrutura Tridimensional do Direito

 

Independentemente das diversas concepções do que seria o Direito, sua estrutura se baseia em 3 aspectos básicos:

 

  • Aspecto normativo: Direito como ordenamento e ciência
  • Aspecto fático : Direito como fato social
  • Aspecto axiológico : Direito como valor de justiça

 

         Tais aspectos correlacionam-se, no sentido de que: Todo ato jurídico consiste um fato – econômico, demográfico etc. - , um valor, conferindo significância ao fato, e uma norma que integra ambos os elementos ( fato ao valor).

         O Direito, assim, é estruturado de forma tridimensional, na qual fatos e valores se dialetizam , ou seja, obedecem a um processo dinâmico.

 

Dialética de implicação-polaridade: ‘’Quando o fato e o valor se correlacionam de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro ( polaridade), mas se exigindo mutuamente ( implicação ), dando origem à estrutura normativa como a realização do Direito ‘’.

 

 

A Sanção

 

 As formas de garantia do cumprimento das regras denominam-se sanções. Existem tantas e diversas sanções para os diversos comportamentos sociais. É a sanção uma espécie de consequência.

 

Ex: As regras morais possuem sanções, cujo o descumprimento de uma regra moral resulta na desaprovação psicológica coletiva.

Já as normas jurídicas caracterizam-se pela sanção imposta pelo Poder Judiciário, uma vez que o descumprimento de uma norma equivale a uma ‘’punição concreta’’ , através do aparelhamento policial. O

  • Ou ainda, quando na exigência de um direito, recorre-se a Justiça, que aplica uma sanção para que o direito seja- lhe dado.  

 

 

O Problema Metodológico

 

    Pressupõe-se que todo conhecimento  cientifico provém de um método de estudo, que indique uma certeza . No Direito, cabe salientar que não há como creditar a ciência uma certeza absoluta.

Diz –se então em uma certeza relativa, que pode ser verificável num aspecto analítico ou sintético:

  • Analítico: A verdade evidente, um pressuposto admitido como certo ou válido, não havendo manifestações de contestação.
  • Sintético: Subordinam as hipóteses ao plano da experiência.

 

         Nas ciências humanas é bem reduzida a aplicação dos processos experimentais. No entanto, não se pode dizer que sejam destituídas de certeza. Ex. : São, as leis , aplicadas através do rigor do raciocínio, que consiste na objetividade de observação dos fatos e a concordância de seus enunciados. 

 

OS MÉTODOS DO DIREITO: O método do Direito e sua aplicação consiste em 3 princípios básicos: Indução, dedução e analogia.

 

  • Indução: Processo de raciocínio que se desenvolve a partir de fatos particulares, até atingir uma conclusão geral, que possa explicar o que há de comum nos fatos observados.

 

  • Dedução:  Uma forma de raciocínio que independentemente de provas experimentais, desenvolve-se  por meio de  uma proposição, uma verdade admitida.

         Nela, há duas espécies : O silogismo , que de duas proposições, parte de uma premissa maior para uma premissa menos, atingindo uma conclusão. E a amplificadora, que não se reduz, mas pode-se – por meio das proposições -  chegar a uma verdade nova.

 

         No momento da elaboração das leis, o juiz leva em consideração ambos os métodos, com a observação dos fatos, e a comparação da lei com outras leis vigentes para obter uma nova conclusão. 

 

  • Analogia: Raciocínio baseado em razoes de semelhança. Quando a lei é omissa e não se pode deixar de propor uma solução jurídica para um caso, o processo de analogia é válido, considerando relações que regem preceitos semelhantes e como pontos essenciais.

 

TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO E DIALÉTICA : A teoria da argumentação baseia-se na lógica de persuasão. Implicando os trabalhos da linguagem e escrita.

 

         É certo de que quanto mais enriquece-se o conhecimento sobre a técnica de usar a palavra e o discurso – através da leitura e do exercício constante – mais poderá transmitir a mensagem de forma clara, como também convencer o interlocutor de sua argumentação.

 

 

Estrutura da Norma

 

 Já vimos a estrutura do Direito. Agora analisa-se a estrutura que cabe a composição da norma.

 

Segundo Hans Kelsen , a norma jurídica se reduz a uma proposição hipotética, na qual se prevê um fato  e uma consequência.

  • Segue o principio de ‘’Fato antecedente , ato consequente’’   

 

Se F é, deve ser C

 

         Toda regra de direito contém a previsão de um fato , com o pressuposto de que tanto seu seguimento, como sua transgressão deverá advir uma consequência, correspondendo a uma sanção.

 

TIPOS PRIMORDIAIS DE NORMAS: Há uma tendência em considerar certas  normas como primarias e secundárias. Tal fator é compreendido pelo conteúdo a que destina a aplicação da norma.

         Para Kelsen, uma norma que possui como base o ordenamento da conduta social, prevendo penas, é considerada uma norma primária. Já a norma que  fixa o que deve ou  não ser feito, é uma norma secundária

 

ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA DE CONDUTA: Contrária a visão de Kelsen , que só considera a sanção punitiva, a estrutura da norma jurídica vê a C como uma norma complementar de F, de forma que sua violação corrobora a sanção – a fim de que se preserve o valor de C - .

 

    Se F é, .......   C deve ser

  Se não – C ....... SP deve ser

 

         Ex: Quando se mata alguém, há uma punição de 26 anos. No entanto, a lei se enuncia não somente pelo juízo lógico da hipotética, mas num juízo que está implico o valor da vida humana que deveria ser preservado.

 

 

 

Validade da Norma

 

    Para que uma norma seja obrigatória, ela precisa seguir alguns requisitos de validade. Dentre eles: A validade formal – Vigência – ; a validade social – eficácia - ; e a validade ética – fundamento - .

 

Validade formal: É a execução de uma norma validada por uma autoridade competente. Quando não há uma validade formal, a norma é considerada ilegítima, não sendo vigente.

 

Validade social : Refere-se a aplicação da norma jurídica no meio social, sendo eficazes ou não.

         Há leis que entram em choque com a tradição de um povo, que somente são cumpridas de maneira compulsória. Diz-se então que a norma valida-se por meio da formalidade, mas não é eficaz no âmbito social. 

 

         Uma norma jurídica consuetudinária jamais surge com validade formal, pois sua vigência se dá através de uma prática habitual, isto é, da eficácia de um comportamento.

 

  •    ‘‘A validade formal diz respeito a competência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimento da norma, no plano normativo. Já a validade social, tem um caráter experimental, se referindo o cumprimento da norma por parte da sociedade’’.

 

Validade ética:  Possuindo vigência e eficácia, a norma precisa ter um fundamento. O fundamento é o valor ou o fim objetivado pela regra de direito .

 

  •    Essas três concepções comprovam a estrutura do direito, relacionando a vigência, que se refere à norma, a eficácia, que se reporta ao fato, e o fundamento, que expressa a exigência de um valor.

 

 

Personalidade e Capacidade

 

    Personalidade é atribuída a toda e qualquer pessoa que nasce com vida, que consiste num sujeito de direitos e deveres.  O sujeito, nesse caso, pode ser tanto uma pessoa física, quanto jurídica.

 

    Sobre a capacidade, nota-se no artigo 1 do código civil que ‘’toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil’. No entanto, há de se distinguir a capacidade da capacidade de fato. A capacidade implica na personalidade ( comum à todos) , consistindo numa capacidade genérica de ser sujeito de direitos e deveres.

 

    Já a capacidade de fato – ou capacidade jurídica -  que não se confunde com a personalidade, indica a capacidade do sujeito de exercer, efetivamente, a atividade dos direitos e das obrigações. Menores de idade, ou dementes, por exemplo, possui a personalidade, mas não a capacidade jurídica, tendo para a realização de seus direitos, a tutela de outrem.

 

PESSOAS JURÍDICAS: ‘’não podemos realizar nossos objetivos mantendo-nos isolados, sem laços permanentes com outros homens ‘’

         Pessoas jurídicas são associações estabelecidas pelos indivíduos com um determinado fim. A pessoa jurídica, entretanto, não é algo físico como a pessoa física, cuja existência não pode se confundir com a de seus membros componentes.

 

    Quando os homens se reúnem para realizar qualquer objetivo, de natureza - política, comercial civil, etc. – forma-se uma entidade, ou uma instituição. Tem portanto, o objetivo de alcançar um fim determinado.