Introdução ao Direito - De Miguel Reale
Introdução ao Direito - De Miguel Reale
Noção Elementar do Direito
De modo geral, pode-se dizer que o direito é a lei e a ordem, consistindo um conjunto de regras impositivas que limitam a ação dos indivíduos. É essencial a convivência humana, pois nenhum sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem.
Experiência jurídica: O direito se vê através de todas as relações intersubjetivas, isto é, a relação que envolve sempre dois ou mais sujeitos.
Ciência e o direito : Durante milênios o homem viveu ou cumpriu o direito, de modo indireto, sem se propor o problema de seu significado lógico o moral. É somente num período posterior da civilização, que as regras jurídicas adquirem valores próprios, distinguindo-se ( ainda que influenciadas) das normas costumeiras ou religiosas, sendo objeto de estudo científico.
Por outro lado, tanto a experiência jurídica – que é o fato social – quanto a ciência do direito estão correlacionadas, a medida em que o fato é transformado em direito, ou seja, numa norma.
MULTIPLICIDADE E UNIDADE DO DIREITO: O direito existe sob diferentes aspectos e formas. Contudo, existem nessas formas alguns elementos comuns que identificam-se como experiência jurídica – Pois nem todo ato é previsto na norma, como por exemplo, passear com o cachorro, ou pintar um quadro - .
Fato jurídico: É considerado um fato jurídico, quando o direito se vê presente na ação do homem que se relacione com o outro.
- Existem tantas espécies de regras jurídicas quantos são possíveis comportamentos e atitudes humanas.
MÉTODO DO DIREITO: Para toda prática do direito, há de existir um método. Pois, método não há ciência. O direito possui método para promover segurança aqueles que o seguem
Método = caminho percorrido para a aquisição de um resultado exato e rigorosamente verificado.
Noção de Ciência do Direito
Para aprofundar a relação entre o fato social e a ciência do direito, entende-se que a ciência do direito, ou jurisprudência, tem por objeto o fenômeno jurídico. A ciência do direito é sempre uma ciência voltada para o Direito positivo, pois seu estudo para com a forma abstrata implicaria a não existência de uma referência direta a um campo de experiência social.
- É, portanto, uma forma de conhecimento positivo da realidade social segundo normas objetivadas, ou seja, tornadas objetivas no decurso do tempo .
JUÍZOS DE REALIDADE E DE VALOR:
Juízo: Ato mental pelo qual atribuímos, com caráter de necessidade, certa qualidade a um elemento.
A qualidade é o predicado do sujeito – Ex. : A Terra é um planeta.
O planeta é o predicado do sujeito Terra.
- A ligação do sujeito e predicado pode ser indicativa ou imperativa. No caso, a norma rege a segunda.
Dessa forma, distinguem-se os juízos de realidade e de valor:
Juízo de realidade: O sujeito É predicado ( ligação indicativa)
Juízo de valor : O sujeito DEVE SER predicado ( ligação imperativa)
Normas éticas: Envolvem tanto o juízo de valor sobre o comportamento humano, como também na escolha de uma diretriz considerada obrigatória, num coletivo. Envolvem, portanto, as opções de uma posição valorativa e imperativa.
Imperatividade: Sendo a norma um instrumento baseado no valor e na imperatividade, essa enuncia algo que DEVE SER, reconhecida como um valor que rege um comportamento declarado obrigatório.
A partir dessas concepções, o juiz baseia-se no fato, ou seja, naquilo que ‘’é’’ , e passa a determinar aquilo que ‘’deve ser’’, com a previsão de consequências caso haja uma violação da norma.
ESTRUTURA DAS NORMAS ÉTICAS: Como já relacionado, toda norma ética expressa um juízo de valor, ao qual se liga a um sanção .
Sanção: A sanção é fundamental para a existência da norma, um vez servindo como instrumento que garante a conduta declarada permitida, determinada ou proibida.
- Tal fator confirma a existência da norma como o ‘‘dever ser’’.
Porém, vale notar que apesar de sua imperatividade, a norma tem o pressuposto da liberdade de cada individuo em obedecer ou não as suas determinações. É essa liberdade que distingue o mundo do ser e o mundo do dever ser.
Estrutura da norma : Além do dever ser, a norma, em geral, é estruturada em função dos comportamentos previsíveis do homem - como o de raciocinar - , e explicita o que deve ser feito e como deve ser feito.
A norma representa , assim, uma medida de conduta, pois cada regra nos diz até que ponto podemos ir, dentro de que limites podemos situar nossa pessoa e nossa atividade.
Direito e Moral
Aqui esclarece-se a diferença entre o Direito e a Moral. No entanto, deve-se assimilar que ambos os conceitos distinguem-se , mas não separam-se por completo. ‘’A matéria consiste em distinguir as coisas, sem separá-las’’.
A TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO: A teoria consistem em dizer que o Direito representa o mínimo de Moral declarado obrigatório para as relações sociais.
Moral: Normas de conduta – ou conjunto de costumes e opiniões – que são cumpridas de maneira espontânea. ‘’Ninguém pode ser bom pela violência’’
Ela é relaciona-se com o Direito , pois somente com a força das obrigações, há aqueles que não a realizam espontaneamente. Assim, quando a Moral ‘’comum’’ não é seguida, o Direito se apresenta como uma parte dessa Moral , armado de garantias especificas para o cumprimento de determinados elementos considerados indispensáveis a paz social.
- ‘’ Tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico ’’
Em contrapartida, percebe-se no âmbito do Direito, alguns atos juridicamente lícitos, mas que não o são do ponto de vista da moral, ou ainda são considerado irrelevantes do mesmo ponto de vista.
O primeiro ( atos lícitos ) pode ser exemplificado num sociedade comercial. Num caso onde dois sócios trabalham, sendo um mais trabalhador do que o outro, e ainda assim ganham porcentagens iguais de lucro, do ponto de vista jurídico, o ato é considerado legal, mas no campo da Moral, tal ação é errônea, despreziva.
O segundo caso ( irrelevante) tem como exemplo o prazo de anulação dos contratos eivados de erro. O fator que determina a entrega em 4 anos, não é necessariamente baseado num preceito de ordem moral, mas de um caráter puramente técnico.
DO CUMPRIMENTO DAS REGRAS SOCIAIS:
Então, de concluindo o raciocínio do Direito como parte integrante da Moral - porém, sendo eles conceitos distintos – Levanta-se a questão: Até que ponto uma regra moral coexiste com a regra jurídica?
- A regra moral de determinada norma coexiste com a regra jurídica, até o momento em que se torna indispensável o recurso à força, por meio do judiciário.
DIREITO E COAÇÃO: Segundo esses preceitos, vale dizer que a Moral é incoercível, uma vez que é cumprida de forma espontânea. Enquanto que o Direito é coercível.
Coercibilidade: Ato de coação, empregada na expressão técnica jurídica como coerção, que é a força aplicada pelo Direito. ‘’O direito é a ação coercitiva da conduta humana’’.
Potencialidade da norma: A coação do Direito não é efetiva, mas potencial. Isto se dá pelo fato de que para sua execução ( para o direito ser aplicado coercitivamente), ele há de ser provocado por uma ação.
DIREITO E HETERONOMIA:
Heteronomia: Diz-se que o direito é heterônomo, pois as normas, aplicadas pelo Estado, valem independentemente da opinião ou do querer de nós, os ‘’obrigados’’ (está acima das pretensões do sujeitos de uma relação ).
‘’O direito é , assim, a ordenação heterônoma e coercível da conduta humana’’
BILATERALIDADE ATRIBUTIVA: Para que o Direito possa ser heterônomo ou coercível, é preciso antes que este seja bilateral.
Bilateralidade: Quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo uma certo ordem objetiva que as autorize a fazer algo – No caso, a norma conduz essa relação, garantindo sua realização, por meio de seu caráter de exigência - .
- ‘’Bilateralidade atributiva é , então, uma proporção intersubjetiva (relação entre duas pessoas ou mais ), em função da qual os sujeitos ficam autorizados a pretender, exigir, ou fazer, garantidamente, algo’’.
CONFRONTO COM AS NORMAS DE TRATO SOCIAL: Há na sociedade, certas normas que são seguidas por força do costume, em virtude de uma ‘’convenção social ’’. São elas as normas de trato social.
Características da norma convencional :
- São aderidas de forma espontânea
- Incoercíveis ( bem como a própria moral)
- São também bilaterais , mas não são atributivas, pois ninguém pode exigir que a cumpra ( a norma convencional).
- Somente quando o costume se converte numa norma jurídica consuetudiaria, é que se pode descrever atributividade .
Estrutura Tridimensional do Direito
Independentemente das diversas concepções do que seria o Direito, sua estrutura se baseia em 3 aspectos básicos:
- Aspecto normativo: Direito como ordenamento e ciência
- Aspecto fático : Direito como fato social
- Aspecto axiológico : Direito como valor de justiça
Tais aspectos correlacionam-se, no sentido de que: Todo ato jurídico consiste um fato – econômico, demográfico etc. - , um valor, conferindo significância ao fato, e uma norma que integra ambos os elementos ( fato ao valor).
O Direito, assim, é estruturado de forma tridimensional, na qual fatos e valores se dialetizam , ou seja, obedecem a um processo dinâmico.
Dialética de implicação-polaridade: ‘’Quando o fato e o valor se correlacionam de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro ( polaridade), mas se exigindo mutuamente ( implicação ), dando origem à estrutura normativa como a realização do Direito ‘’.
A Sanção
As formas de garantia do cumprimento das regras denominam-se sanções. Existem tantas e diversas sanções para os diversos comportamentos sociais. É a sanção uma espécie de consequência.
Ex: As regras morais possuem sanções, cujo o descumprimento de uma regra moral resulta na desaprovação psicológica coletiva.
Já as normas jurídicas caracterizam-se pela sanção imposta pelo Poder Judiciário, uma vez que o descumprimento de uma norma equivale a uma ‘’punição concreta’’ , através do aparelhamento policial. O
- Ou ainda, quando na exigência de um direito, recorre-se a Justiça, que aplica uma sanção para que o direito seja- lhe dado.
O Problema Metodológico
Pressupõe-se que todo conhecimento cientifico provém de um método de estudo, que indique uma certeza . No Direito, cabe salientar que não há como creditar a ciência uma certeza absoluta.
Diz –se então em uma certeza relativa, que pode ser verificável num aspecto analítico ou sintético:
- Analítico: A verdade evidente, um pressuposto admitido como certo ou válido, não havendo manifestações de contestação.
- Sintético: Subordinam as hipóteses ao plano da experiência.
Nas ciências humanas é bem reduzida a aplicação dos processos experimentais. No entanto, não se pode dizer que sejam destituídas de certeza. Ex. : São, as leis , aplicadas através do rigor do raciocínio, que consiste na objetividade de observação dos fatos e a concordância de seus enunciados.
OS MÉTODOS DO DIREITO: O método do Direito e sua aplicação consiste em 3 princípios básicos: Indução, dedução e analogia.
- Indução: Processo de raciocínio que se desenvolve a partir de fatos particulares, até atingir uma conclusão geral, que possa explicar o que há de comum nos fatos observados.
- Dedução: Uma forma de raciocínio que independentemente de provas experimentais, desenvolve-se por meio de uma proposição, uma verdade admitida.
Nela, há duas espécies : O silogismo , que de duas proposições, parte de uma premissa maior para uma premissa menos, atingindo uma conclusão. E a amplificadora, que não se reduz, mas pode-se – por meio das proposições - chegar a uma verdade nova.
No momento da elaboração das leis, o juiz leva em consideração ambos os métodos, com a observação dos fatos, e a comparação da lei com outras leis vigentes para obter uma nova conclusão.
- Analogia: Raciocínio baseado em razoes de semelhança. Quando a lei é omissa e não se pode deixar de propor uma solução jurídica para um caso, o processo de analogia é válido, considerando relações que regem preceitos semelhantes e como pontos essenciais.
TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO E DIALÉTICA : A teoria da argumentação baseia-se na lógica de persuasão. Implicando os trabalhos da linguagem e escrita.
É certo de que quanto mais enriquece-se o conhecimento sobre a técnica de usar a palavra e o discurso – através da leitura e do exercício constante – mais poderá transmitir a mensagem de forma clara, como também convencer o interlocutor de sua argumentação.
Estrutura da Norma
Já vimos a estrutura do Direito. Agora analisa-se a estrutura que cabe a composição da norma.
Segundo Hans Kelsen , a norma jurídica se reduz a uma proposição hipotética, na qual se prevê um fato e uma consequência.
- Segue o principio de ‘’Fato antecedente , ato consequente’’
Se F é, deve ser C
Toda regra de direito contém a previsão de um fato , com o pressuposto de que tanto seu seguimento, como sua transgressão deverá advir uma consequência, correspondendo a uma sanção.
TIPOS PRIMORDIAIS DE NORMAS: Há uma tendência em considerar certas normas como primarias e secundárias. Tal fator é compreendido pelo conteúdo a que destina a aplicação da norma.
Para Kelsen, uma norma que possui como base o ordenamento da conduta social, prevendo penas, é considerada uma norma primária. Já a norma que fixa o que deve ou não ser feito, é uma norma secundária
ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA DE CONDUTA: Contrária a visão de Kelsen , que só considera a sanção punitiva, a estrutura da norma jurídica vê a C como uma norma complementar de F, de forma que sua violação corrobora a sanção – a fim de que se preserve o valor de C - .
Se F é, ....... C deve ser
Se não – C ....... SP deve ser
Ex: Quando se mata alguém, há uma punição de 26 anos. No entanto, a lei se enuncia não somente pelo juízo lógico da hipotética, mas num juízo que está implico o valor da vida humana que deveria ser preservado.
Validade da Norma
Para que uma norma seja obrigatória, ela precisa seguir alguns requisitos de validade. Dentre eles: A validade formal – Vigência – ; a validade social – eficácia - ; e a validade ética – fundamento - .
Validade formal: É a execução de uma norma validada por uma autoridade competente. Quando não há uma validade formal, a norma é considerada ilegítima, não sendo vigente.
Validade social : Refere-se a aplicação da norma jurídica no meio social, sendo eficazes ou não.
Há leis que entram em choque com a tradição de um povo, que somente são cumpridas de maneira compulsória. Diz-se então que a norma valida-se por meio da formalidade, mas não é eficaz no âmbito social.
Uma norma jurídica consuetudinária jamais surge com validade formal, pois sua vigência se dá através de uma prática habitual, isto é, da eficácia de um comportamento.
- ‘‘A validade formal diz respeito a competência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimento da norma, no plano normativo. Já a validade social, tem um caráter experimental, se referindo o cumprimento da norma por parte da sociedade’’.
Validade ética: Possuindo vigência e eficácia, a norma precisa ter um fundamento. O fundamento é o valor ou o fim objetivado pela regra de direito .
- Essas três concepções comprovam a estrutura do direito, relacionando a vigência, que se refere à norma, a eficácia, que se reporta ao fato, e o fundamento, que expressa a exigência de um valor.
Personalidade e Capacidade
Personalidade é atribuída a toda e qualquer pessoa que nasce com vida, que consiste num sujeito de direitos e deveres. O sujeito, nesse caso, pode ser tanto uma pessoa física, quanto jurídica.
Sobre a capacidade, nota-se no artigo 1 do código civil que ‘’toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil’. No entanto, há de se distinguir a capacidade da capacidade de fato. A capacidade implica na personalidade ( comum à todos) , consistindo numa capacidade genérica de ser sujeito de direitos e deveres.
Já a capacidade de fato – ou capacidade jurídica - que não se confunde com a personalidade, indica a capacidade do sujeito de exercer, efetivamente, a atividade dos direitos e das obrigações. Menores de idade, ou dementes, por exemplo, possui a personalidade, mas não a capacidade jurídica, tendo para a realização de seus direitos, a tutela de outrem.
PESSOAS JURÍDICAS: ‘’não podemos realizar nossos objetivos mantendo-nos isolados, sem laços permanentes com outros homens ‘’
Pessoas jurídicas são associações estabelecidas pelos indivíduos com um determinado fim. A pessoa jurídica, entretanto, não é algo físico como a pessoa física, cuja existência não pode se confundir com a de seus membros componentes.
Quando os homens se reúnem para realizar qualquer objetivo, de natureza - política, comercial civil, etc. – forma-se uma entidade, ou uma instituição. Tem portanto, o objetivo de alcançar um fim determinado.